O que foi o acidente Césio-137?


Treze de setembro de 1987 em Goiânia, Goiás, Minas Gerais, Brasil acontecia o maior acidente radiológico do Brasil e do mundo com o Césio-137 ocasionando uma grave contaminação por radioatividade.
O Césio-137 é considerado o maior acidente radiológico do mundo fora das usinas nucleares.



O início




Para entender melhor vamos voltar ao ano de 1985, onde o instituto Goiânia de radiologia (IGR), instituição privada que ficava localizado na Avenida Paranaíba centro de Goiânia desativa a sua unidade. Várias salas foram demolidas e eles levaram a maioria dos equipamentos exceto a máquina de tele terapia (um tipo de radioterapia), contendo no seu interior a cápsula do cloreto de césio em pó como fonte de energia.

Segundo informações dos proprietários, o aparelho foi proibido de ser retirado do local por uma liminar oficial.







Em 13 de setembro de 1987 o aparelho é encontrado por Wagner Pereira e Roberto Alves, dois catadores de recicláveis que sem saber do que se tratava e empolgados com o peso e material, colocaram a peça num carrinho de mão e a levaram para casa com a intenção em vender tal equipamento para os ferros-velhos da região.

O equipamento ficou na casa de Roberto localizada na Rua 57 setor Aeroporto em Goiânia, embaixo de uma mangueira por 5 dias, ou seja, do dia 13 ao dia 18.

Nesse período, com o auxílio de uma marreta tentaram retirar o que interessava, mas era muito difícil. Percebem uma peça de platina no interior do chumbo, faz a remoção e acaba por romper a blindagem que impede o contato do césio-137 com o meio ambiente.

Nesse momento ambos já estavam contaminados e apresentavam os primeiros sinais e sintomas, mas não relacionavam com a peça.



A venda para o ferro-velho




No dia 18 de setembro Roberto e Vagner vendem a peça no ferro-velho do Devair Alves Ferreira localizado na Rua 26 A.

Devair solicita a dois funcionários que termine de desmontar a peça.

A cápsula do césio foi aberta para o aproveitamento do chumbo. Devair juntamente com dois funcionários abriram a cápsula e no interior haviam 19,26 gramas de cloreto de césio 137.

É um pó muito parecido com o sal, que no escuro brilha com uma coloração azul.

Quando Devair viu isso ficou encantado, pensou que fosse algo valioso como, por exemplo, uma pedra preciosa ou algo sobrenatural. Resolveu levar a cápsula para casa.

Quando chegou em casa a esposa de Devair Maria Gabriela Ferreira também ficou encantada com o que via e Devair andava com a cápsula para todos os lugares.

No dia seguinte, Devair, a sua esposa e os dois funcionários que ajudaram a abrir a cápsula começam a apresentar os primeiros sintomas, mas relacionam com algo que comeram.

Sobre o equipamento




Explicando de forma mais detalhada a contaminação do césio originou-se dentro de uma cápsula que continha cloreto de césio que é o sal obtido a partir de radioisótopo 137 do elemento químico césio.

Essa cápsula radioativa era parte de um equipamento radioterapêutico onde dentro dele encontrava-se revestido por uma caixa protetora de aço e de chumbo.

Essa caixa protetora possuía uma janela feita de irídio que permitia a passagem de radiação para o exterior.

A caixa contendo essa cápsula radioativa estava posicionada num contentor giratório que servia para direcionar o feixo radioativo e para controlar a intensidade do mesmo.

A fabricação não se sabe ao certo em algumas fontes diz que foi no ano de 1970 no laboratório nacional de Oak Ridge nos EUA e em outras no ano de 1950 e que foi comercializado por uma empresa Italiana.



Familiares e amigos


Ivo irmão de Devair vai até o ferro-velho para uma visita, Devair mostra a cápsula e Ivo com o auxílio de uma chave de fenda retira um pouco do pó e leva para casa no bolso da calça.

Ao chegar em casa, Ivo mostra para todos e todos tocam o pó. A sua filha Lade das Neves de 6 anos fica tão encantada quando o pai joga pó brilhante no chão do seu quarto que se deita sobre o pó brincando.

Passado algum tempo a sua mãe fazia ovos cozido e ela com a mão contaminada, comeu o ovo ingerindo também o pó césio-137. Um dia depois ela apresenta sinais e sintomas, mas depois como não apresentou piora do quadro os pais pensaram que o problema era do ovo cozido.

Como o césio-137 é um sal higroscópico, ele absorve a umidade do ar e facilmente se adere às coisas como objetos, ar, pele, tecido, alimentos podendo contaminar também internamente.

Não demorou muito até um grande número de pessoas ficarem contaminadas. Todas apresentando sinais e sintomas semelhantes, os médicos e farmacêuticos suspeitaram de alguma doença contagiosa.



A suspeita




Desconfiada que o que estava a ocasionar tudo isso era o pó azulado, Maria Gabriela esposa de Devair resolve levar a peça para a vigilância sanitária.

Ela coloca a peça numa sacola e junto com um funcionário do ferro-velho vão de ônibus até a vigilância.

Ao chegar lá Maria Gabriela explica que ela e outras pessoas estavam doentes e que pensava que tinha relação com a peça.

Solicitaram então que deixasse a peça para eles analisarem. A peça ficou numa cadeira por cerca de 2 dias até descobrirem que se tratava de parte de uma máquina de tratamento para câncer e que nela havia o pó césio altamente radioativo que poderia causar a morte.



O alerta





No dia 29 de setembro foi emitido o alerta de contaminação por material radioativo de inúmeras pessoas.

A Maria Gabriela foi uma das primeiras pacientes a ser tratada no Hospital Naval Marcílio Dias no RJ e foi a primeira vítima da contaminação.

Na época o governo tentou minimizar o ocorrido escondendo dados da população, informando que era um vazamento de gás e eles apesar de assustado acreditaram. Ocorria também o GP Internacional de Moto velocidade no Autódromo Internacional Ayrton Senna. Para não gerar pânico na população da cidade nem nos estrangeiros que cobriam o evento, o governo não queria que o pânico fosse instalado.

Os médicos que recebeu o equipamento solicitaram a presença de um físico nuclear para avaliar o acidente. O físico Valter Mendes de Goiânia constatou que havia índices altíssimos de radiação na rua 57, setor Aeroporto e nas imediações.
Diante de todas essas evidências e do perigo que essas pessoas representavam ele acionou imediatamente a comissão nacional nuclear e o chefe de departamento de instalações nucleares foi informado.

José Júlio Rosentau foi para Goiânia no mesmo dia.

No dia seguinte, a equipe foi reforçada com a presença do médico Alexandre Rodrigues de Oliveira da Nuclebras (Indústria Nuclear do Brasil) e do médico Carlos Brandão.




Foi iniciado uma triagem dos suspeitos de contaminação num estádio de futebol da capital e cerca de 1000 pessoas passaram por lá. Os casos mais graves, eram encaminhados para o Rio de Janeiro, de avião para receber o tratamento. Maria Gabriela e Leide foram as primeiras vítimas.

Enquanto isso em Goiás começava a descontaminação. Primeiro recolheram as roupas expostas ao material radioativo, lavaram com água e sabão e em seguida higienização nas vítimas para descontaminação externa.

Depois foi oferecido um quelante com nome de Azul da Prússia que elimina os efeitos da radiação pelas fezes o que não foi o suficiente para evitar que alguns pacientes viessem a óbito.



As mortes




Leide foi a vítima com a maior dose de radiação. Quando uma equipe internacional veio para tratar a menina, estava confinada num quarto, isolada e os funcionários tinham medo de se aproximar e ficar contaminado.

Ela evoluiu com inchaço na parte superior do corpo, perda de cabelo, danos nos rins, pulmões, hemorragia interna e veio a óbito no dia 23 de outubro no hospital Naval Marcílio Dias no RJ, um mês depois de ter ingerido alimento contaminado por césio-137.




O corpo foi levado para Goiânia para a realização do enterro num caixão especial de fibra de vidro, revestido com chumbo para evitar a propagação e contaminação. No dia do enterro cerca de 2000 pessoas foram ao local como forma de protesto. Eles não queriam o enterro dela lá, pois tinham medo de contaminação. Foram jogados tijolos, pedras, tentaram bloquear a passagem tudo por falta de informação e esclarecimento.

Leide foi enterrada no cemitério Parque Goiânia e o seu caixão erguido por um guindaste e coberto com concreto.





Outras vítimas foram o pai de Leide, Ivo, Devair, a sua esposa e dois funcionários do ferro-velho faleceram. Posteriormente mais vítimas também faleceram entre eles funcionários que realizaram a limpeza do local.

Vários imóveis tiveram os seus valores reduzidos, muitos colocaram os seus imóveis a venda, porém as pessoas tinham medo e a população local começou a sofrer discriminação o que dificultava o acesso aos serviços de educação, por exemplo.

Muitas lojas fecharam e outras mudaram de endereço sobrando poucos comerciantes.





Muitas casas foram demolidas como a de Ivo e o ferro-velho do Devair, muitas outras esvaziadas, utilizaram limpadores a vácuo para remover a poeira antes do exame da superfície para a detecção de radioatividade. Para uma melhor detecção foi utilizado uma mistura de ácido e tintas azul. Telhados foram limpos a vácuo, duas casas tiveram os seus telhados removidos, objetos como brinquedos, fotografias, utensílios domésticos foram considerados material de rejeito que foi recolhido com a limpeza e transferido para o parque Telma Hortegal.





Até hoje às pessoas contaminadas sofrem com enfermidades relativas à contaminação radioativa.

Esse lixo radioativo encontra-se confinado em 1200 caixas, 2900 tambores, e 14 contêineres revestido em concreto e aço num depósito construído na cidade de Abadias de Goiás onde deve permanecer por aproximadamente 600 anos.





A condenação



Em 1996 a justiça condenou 3 funcionários do Instituto Goiânia de Radioterapia o IGR a 03 anos e 02 meses de prisão pena que foi substituída por 02 anos de prestação de serviços.



Os sobreviventes




O tratamento dos sobreviventes continua até hoje. Foi criado a Associação das Vítimas do Césio-137 e eles afirmam que no ano de 2012 quando o acidente completou 25 anos cerca de 104 pessoas morreram nos anos seguintes, decorrente de câncer e outros problemas.

Cerca de 1600 pessoas foram afetadas diretamente, várias pessoas sobreviveram. Hoje passado mais de 30 anos do acidente 975 pessoas são monitoradas, divididas em grupos conforme a intensidade da contaminação. O grupo 1 é o que mais precisa de cuidados e é composto por pessoas que tiveram contato direto.

Segundo as vítimas o local conta com excelentes médicos, mas o principal falta, os medicamentos.

O governo oferecia um auxílio de cerca de R$700,00 reais o que era muito pouco uma vez que os medicamentos são caros, diversos e em bastante quantidade. Ou seja, não cobre as despesas.
A lei 14.226 foi criada em 2002 para garantir não só o benefício, como fixou o índice de reajuste devendo esse ser feito anualmente.
Sendo assim, no ano de 2018 houve reajuste. As pessoas que foram radiolesionadas pelo contato direto com a substância e que sofreram radiação superior a 100 RAD recebiam R$ 1.448,00 reais passaram a receber R$ 1.908,00 reais.O demais beneficiários que recebiam R$ 724,00 reais passaram a receber R$ 954,00 reais.

Muitos dos sobreviventes residem na região rua 57, Avenida Paranaíba, rua 74, rua 80, rua 79 e avenida Goiás. Apesar de ainda sofrerem com a descriminação fica o alerta de que eles não oferecem nenhum risco de contaminação. A associação luta com o preconceito existente.


O césio 137 foi o maior acidente ocorrido fora das usinas nucleares.



O objeto





O objeto que continha o césio foi recolhido pelo exército e hoje encontra-se exposto como troféu no interior da Escola de Instrução Especializada no RJ em forma de agradecimento aos que participaram da limpeza da área contaminada.




Os rejeitos estão no depósito em Abadias. Ao todo 19 gramas de césio-137 gerou aproximadamente 40 mil toneladas de rejeitos.

O acidente foi descrito em vários documentários internacionais, filmes, canções, programas de TV, artigos acadêmicos, teses, dissertações, livros entre outros.






Para evitar que aconteça algo parecido novamente, desde o acidente, a tecnologia melhorou. “Aquelas bombas de cobalto e cobre foram substituídas por aceleradores. Àquela época, existia o elemento radioativo emitindo constantemente a radiação. Agora, há um gerador de raio-X confiável, que para de emitir quando desligado. O tratamento ficou mais eficaz. E foi o acidente com o césio que acelerou essa mudança”, explica o físico da Universidade de Brasília, em Ceilândia, Araken dos Santos Werneck Rodrigues.



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